quarta-feira, abril 11, 2007

Sempre que vejo uma notificação da BHTRANS jogada por debaixo da porta, abro com a ânsia de um combatente que recebe uma missiva da amada em pleno campo de batalha. Não raro dirijo bêbado e nunca sei exatamente o quê nem quando. Acho delicado por parte do estado me informar sobre alguns de meus lapsos de memória. Desta feita fui autuado por excesso de velocidade (coisa que não costumo fazer, mas, se o fiz, é porque tive lá minhas razões, claro que de cunho sexual).

Discordo radicalmente do Nelson quando ele diz que a velocidade é um prazer dos cretinos (não que eu não seja um cretino, só que isso nada tem a ver com a velocidade), e vou além, se o Nelson está certo, somos todos cretinos. Desde sempre, seja qual for o meio de transporte, o homem compete pra ver quem chega mais rápido. Foi assim com os pés, surgiu a maratona, com os cavalos, surgiu o turfe, com a bicicleta, o ciclismo, no que eu pergunto, por que haveria de ser diferente com o automóvel? Pra se ter uma idéia mais geral, esqueçamos os meios de transporte, crianças competem até pra ver quem termina de tomar uma garrafa de Coca primeiro. Para mim, a maior prova de que o homem é um eterno fascinado com a velocidade é o carrinho de bate-bate (que prova não apenas isso, mas também o sadismo inerente ao tipo humano), se o sujeito pudesse ir numa velocidade tal que o carrinho do outro se desintegrasse no instante da batida, ele assim o faria.

Então volto à minha multa, e faço aqui uma pergunta que provavelmente um dos senhores leitores já deve ter se feito algum dia, “por que diabos eles não fazem carros que vão apenas até o limite de velocidade?”. Me parece um equívoco primário deixar certas decisões por nossa conta. Respeite o limite de velocidade. Se beber não dirija. Não ultrapasse sobre a faixa contínua. Não passe no sinal vermelho. Se há algo que a história nos ensinou é que, não importa a atividade, quanto maior o grau de envolvimento humano, maiores as chances da coisa acabar em desastre. Comemos ou não aquela maçã? Botamos ou não aquele cara na cruz? É prudente invadir a Polônia?

"Só Deus sabe que fiz o diabo para ser amigo do nosso Tristão de Athayde. Durante cinco anos telefonei-lhe em cada véspera de natal: - 'Sou eu, dr. Alceu. Vim desejar-lhe um maravilhoso Natal, para si e para os seus' etc. etc. Tudo inútil. O dr. Alceu trancou-me o coração. Até que, na última vez, disse algo que, para mim, foi uma paulada: - 'Ah, Nelson! Você aí, nessa lama!'. O mestre insinuara que a minha alma é um mangue, um pântano, um lamaçal. E, por certo, ao sair do telefone, foi se vacinar contra o tifo, a malária e a febre amarela que vivo a exalar. Pois é o que nos separa eternamente, a mim e ao dr. Alceu: - de um lado, a minha lama, e, de outro, a sua luz."

(Nelson Rodrigues)