segunda-feira, novembro 12, 2007

Uma singela homenagem àquele que era considerado (inclusive por mim) o maior escritor americano vivo. Rest in peace, Mr. Norman Mailer, autor de pérolas como "A Luta" (sobre o combate Ali x Foreman), "Os Machões não Dançam", "Os Exércitos da Noite", "A Canção do Carrasco", e o meu preferido, donde a passagem abaixo é retirada, "Os Nus e os Mortos".


“Croft pensou na noite em que os japoneses tentaram atravessar o rio. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha e contemplou longamente o prisioneiro. Uma emoção poderosa, mas indefinível, fê-lo cerrar os dentes. Desprendeu o cantil e tomou um gole. Notou que o prisioneiro o observava. Num impulso deu-lhe o cantil.

- Vai, bebe – disse Croft, e ficou a olhar a avidez com que o prisioneiro se dessedentava.
- Eu me dane se entender isso – disse Gallagher. – Que foi que deu em você?

Croft não respondeu. Olhava o prisioneiro, que já tinha acabado de beber. Havia lágrimas de alegria no rosto do japonês, e, de repente, ele sorriu e apontou para um dos bolsos de sua túnica. Croft tirou de lá uma carteira e abriu-a. Encontrou uma fotografia do soldado japonês à paisana, tendo ao lado a mulher e duas crianças de carinhas redondas de bonecas. O soldado apontou para si mesmo e depois fez dois gestos com a mão acima do solo para indicar a altura dos meninos.

Gallagher olhou a fotografia e sentiu uma dor cruciante. Por um momento lembrou-se de sua mulher e perguntou a si mesmo como seria seu filho quando nascesse. Tomou um susto ao dar-se conta de que sua mulher talvez estivesse dando à luz neste momento. Por alguma razão, que ele mesmo não entendia, disse de repente ao japonês:

- Meu garoto vai nascer por esses dias.

O prisioneiro sorriu polidamente, e Gallagher, apontando encolerizado para si mesmo, estendeu as mãos separadas uns vinte centímetros uma da outra.

- Meu – disse ele – meu.
- Ahhhhhhh – disse o prisioneiro – Chiisai!
- Sim, tchiz-ai – repetiu Gallagher.

O prisioneiro meneou a cabeça lentamente e tentou sorrir.

Croft aproximou-se dele e deu-lhe outro cigarro. O soldado japonês inclinou a cabeça quase até o chão e aceitou o fósforo.

- Arigato, arigato, domo arigato – disse ele.

Croft sentiu a cabeça palpitar com intenso alvoroço. Havia lágrimas outra vez nos olhos do prisioneiro, e Croft olhou-as com indiferença. Depois passeou a vista pela clareira e viu uma mosca pousada na boca de um dos cadáveres.

O prisioneiro tirou uma longa baforada. Estava agora recostado no tronco da árvore. Seus olhos tinham se fechado, e pela primeira vez havia uma expressão sonhadora em seu rosto. Croft sentiu uma tensão formar-se na garganta, deixando a boca seca, amarga, ávida. Até então estivera com a mente vazia, mas, de súbito, levantou o fuzil e apontou-o pra cabeça do prisioneiro. Gallagher ia protestar, quando o prisioneiro abriu os olhos.

O japonês não teve tempo de mudar a expressão do rosto antes que a bala lhe estourasse o crânio. Tombou para frente e depois rolou de lado. Ainda sorria, mas tinha um ar estúpido agora.

Gallagher tentou novamente dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Sentiu um medo terrível e, por um instante, voltou a pensar em sua mulher. Oh meu Deus, salvai Mary, meu Deus, salvai Mary, repetia para si sem pensar na significação das palavras.

Durante quase um minuto Croft fitou o japonês. Sua pulsação tornava-se mais lenta e a tensão na garganta e na boca se atenuava. Compreendeu, num átimo, que uma parte do seu cérebro, a mais escondida, soubera que ele ia matar o prisioneiro desde o momento em que mandara Red embora. Sentia-se totalmente vazio agora. O sorriso estampado no rosto do morto divertia-o, e uma risada galhofeira escapou-lhe da boca aos borbotões.

- Caramba – disse ele. Pensou de novo nos japoneses cruzando o rio e empurrou o cadáver com o pé. – Caramba – repetiu – esse japonês morreu feliz. – O riso engrossava dentro dele.”

terça-feira, novembro 06, 2007

- VOCÊ TEM QUE VER! TEM QUE VER!
- Tão bom assim?
- O melhor de todos os tempos.
- Luan...!?
- Melhor que Cidade de Deus.
- ... – olhar de profunda descrença.
- A melhor coisa que você pode fazer hoje à noite, sem dúvida.
- Tá ciente que eu poderia fazer sexo hoje, né?
- Não... sério mesmo?
- Minha pergunta é retórica.
- Melhor que sexo.

Eis que fui ver o famigerado Tropa de Elite. Já tinha lido e ouvido comentários sobre o filme, mas até então não me sentia compelido a sair de casa para ver a película que disseca a dura realidade do combate ao tráfico nas favelas cariocas.

Não sei se foi pela expectativa criada ou pelo filme em si, mas devo confessar que não vi rigorosamente nada demais, o tal do filme “pelo menos não saí no meio”.

Gostaria de destacar alguns aspectos que me parecem positivos no filme.

A atuação de Wagner Moura, qualquer coisa menor que superlativa soa-me herético. Sem ele o filme seria impossível.

O fato de ser um filme sem mocinhos. O brasileiro tem espírito de anti-herói, e como tal deve ser retratado, “sou brasileiro e não desisto nunca, e pago por fora pra não ter que ficar na fila”. O brasileiro não se reconhece no bom exemplo, ele o admira, lambe com as vistas, fica de joelhos e mãos postas, mas não se identifica, a verdade é que o brasileiro se vê muito mais no Bandido da Luz Vermelha que no Betinho ou Rogério Ceni.

A satisfação da porção sádica de cada um de nós. A célebre frase é do Dr. Júlio Maciel, “o que é o ser humano senão um sádico...”, quando o Capitão Nascimento mata e humilha e tortura, ele o faz por todos nós, para que nós não precisemos faze-lo, eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo, ou melhor, “bota na conta do Papa”.

Mais meia dúzia de cenas engraçadinhas e eis tudo que o filme tem a oferecer.

Agora, das coisas que te fazem preferir ajoelhar no milho por duas horas, ou até mesmo, Luan, por incrível que pareça, fazer sexo.

Eu me pergunto como, e repito, COMO conseguiram reunir tantos atores ruins num mesmo filme? Exceto pelo Capitão Fábio e os dois mecânicos-quase-figurantes, TODAS as atuações são desastrosas, algumas chegam a ser constrangedoras. Por vezes tive vontade de tapar os olhos. Pra mim o limite da má atuação é quando você sente vergonha pela pessoa que está na tela, não pela situação que a cena propõe, coisa até bastante recorrente, mas pela atuação em si. O núcleo classe média mais parece um capítulo ruim de Malhação, inadmissível o fato de uma das duas atrizes não ter justificado a escalação para o papel com um peitinho.

(Resolvi dedicar um parágrafo a essa questão, que acho da mais profunda relevância, o Brasil não tem um bom ator negro. Em determinados momentos o ator que interpreta Matias passa-me a impressão de alguém que sofreu um derrame. Somos um país de brancos e pretos (inclusive, mais pretos que brancos) e não temos um Sidney Poitier ou Denzel Washington, a Globo empurra-nos Lázaro Ramos, ator de dois personagens, Madame Satã e si mesmo, a crise é tamanha que, no momento, nosso melhor ator negro é um cantor, Seu Jorge.)

Trata-se de um filme sem qualquer proposta, uma pretensa análise sociológica, por assim dizer. Algo como uma metralhadora giratória engasgada que aponta em todas as direções e não dispara em nenhuma. “Quem matou esse cara? Foi você, seu maconheiro (classe média) de merda!”, ilações que me levam a crer que pobre não fuma maconha e que eu patrocino o trabalho infantil na China comprando CDs e jogos piratas. Absurdo? Em se tratando de uma análise tão rasteira quanto a do sr. Padilha não. E é justamente aí que o filme se esvazia, uma vez que não dá a devida profundidade ao conflito “existencial” do Capitão Nascimento e nem aponta soluções para a questão do tráfico. É um filme que, como a guerra do tráfico, vai de nada e chega a lugar algum. Custo a crer que essa seja a visão do sr. Padilha sobre seu próprio trabalho, inclusive o respeitaria mais se fosse.