Em pequeno meu sonho era quebrar o braço. Achava a tala de gesso um ornamento tão vistoso quanto um brinco de pérolas ou um colar de diamantes, tivesse eu uma namorada aos 10 e seria isso que eu daria a ela de presente de aniversário.
Falo em desejos inusitados e já volto a eles.
Dentre as novas regras do condomínio, uma delas diz que, após meia-noite o porteiro deve sair de sua guarita e pessoalmente abrir o portão do edifício (fato que não chega me incomodar, uma vez que costumo fazer uso da garagem e não da portaria). Mas enfim, semana passada, não me recordo se terça ou quarta-feira (sim, foi na quarta, o Galo jogou), voltei de carona pra casa e tive que entrar pela portaria. Toco o interfone. O porteiro, por ser novo no edifício, desce com ar desconfiado. Olho a fisionomia do sujeito, em seguida noto que ele usa um crachá, olho novamente sua fisionomia e não posso deixar de notar uma certa dessemelhança entre o sujeito da foto e o que se apresenta à minha frente. Esperando o elevador a luz me atinge. “Mas claro”. O sujeito da foto tem cabelo (muito embora não se trate de um cabelo notável, digno de propaganda de condicionador, ele está lá) e o porteiro é careca. A simples opção do sujeito por colocar uma foto com cabelo no crachá, seja por vaidade, seja por vergonha, já me parece totalmente absurda. A pergunta que me parece pertinente é, quem ele está tentando enganar?
Não consigo entender o pavor crônico que o homem nutre pela calvicie. Lembro-me de um cidadão que trabalhava com minha mãe (salvo engano chamava-se Marquinho), fazia qualquer coisa para reduzir a queda de cabelos, dissessem a ele que passar bosta de cavalo na cabeça era a solução última, ele assim o faria. Juro que não entendo, de todos os apetrechos da cabeça o cabelo me parece o mais dispensável. Se suas orelhas ou nariz fossem cair quando você chegasse aos 40, ok. Se calvicie fosse definida como "a queda progressiva das orelhas" eu entenderia, compraria a idéia, daria toda razão ao sujeito que, aos 27 anos, ficasse triste e amuado por estar parecido com Van Gogh. Chego mesmo a me perguntar se cortar a orelha seria moda entre os mais jovens. Posso até ver o garoto chegando em casa e sendo repreendido pela mãe, “ah, meu filho, mas cortou a orelha de novo?”. Para se ter uma idéia do quanto isso incomoda a população masculina, é só ir ao google e digitar a palavra “calvice”, além de uma infinidade de resultados para a sua busca, haverá LINKS PATROCINADOS, gente que paga para ter o privilégio de colocar seu negócio em destaque quando se trata de queda capilar. Tentem fazer diferente então, ao invés de calvice digitem “lábio leporino”, vocês encontrarão artigos acadêmicos, histórias de crianças que sofrem nas escolas, casos clínicos, mas ninguém está interessado em patrocinar o lábio leporino. Não sei quanto a vocês, caros leitores, mas, de minha parte, preferiria uma mulher careca a uma que tivesse fissura labiopalatal.
E eis a questão essencial, o mito de Sansão, o homem que perde sua força e virilidade juntamente com sua cabeleira. Salvo algumas parcas exceções, o homem só fica careca por volta dos 35, 40, e convenhamos, nessa idade começa a ficar difícil pra qualquer um descolar mulheres. Falo por mim, não por toda classe, mas creio que seja interessante conseguir uma mulher, se assim for desejo do réu, entre os 15 e 45, ou seja, um período de 30 anos, se você tem 35, meu caro, já percorreu mais da metade do caminho, me parece injusto culpar a calvicie, talvez ficar com alguém não seja mesmo seu negócio. Se o sujeito optou, ainda jovem, belo e cabeludo, rolar de buceta em buceta ao invés de ficar com alguém, que viva com sua escolha, mas não culpe a calvicie aos 40. A coisa é ainda mais patológica do que parece, se inventassem um remédio que faz nascer cabelo, mas que por outro lado causasse impotência, não tenham dúvidas, seria um campeão de vendas, pois a verdade é que o sujeito fica mais satisfeito em saber que poderia comer a mulher que, de fato, em comê-la.
E aqui volto aos desejos inusitados.
Sou relativamente calvo, provavelmente ficarei careca, a idéia não me assusta, muito antes pelo contrário, sempre quis ser careca. Aliás, considero a calvicie uma dádiva, pensem bem, Deus poderia ter me dado talidomida, paralisia infantil, apenas um bago, meningite, polidatilia, dentre tantas outras mazelas, e o que ele faz?, me limpa o escalpo, do conjunto da obra ele subtrai aquilo que menos falta me faz. Onde muitos lêem “queda definitiva de cabelo”, eu leio “nunca mais ir barbeiro”.